O FMI e o seu rasto<br>de «décadas perdidas»

Zillah Branco

A Amé­rica La­tina co­nheceu a sua dé­cada per­dida nos anos 80. De­tec­tada a ino­cu­lação do vírus que reduz o PIB de cada nação con­tro­lado pelo FMI com a sua me­di­cação ne­o­li­beral, re­agiu com uma dose forte de de­mo­cracia e so­be­rania, e criou o Mer­cosul, a CELAC e so­bre­tudo a ALBA com o seu ca­rácter anti-im­pe­ri­a­lista para efec­tu­arem a va­cina em todo o con­ti­nente unido. Mas o im­pério, ao perder a an­tiga cli­en­tela sub­missa emi­grou para a Eu­ropa de­pois do início do sé­culo XXI, além de con­ti­nuar a des­truir os países árabes onde o pe­tróleo jor­rava.

Coin­cidiu com os ob­jec­tivos das grandes em­presas fi­nan­ceiras eu­ro­peias que con­duzem bancos e se­guros à fa­lência (fe­nó­meno ocor­rido nos Es­tados Unidos onde foram for­mados os «es­pe­ci­a­listas» que hoje estão no topo da União Eu­ro­peia, como Mo­edas e ou­tros no­tá­veis...), a cri­ação de for­tunas fa­mi­li­ares de uma elite es­ban­ja­dora e de go­ver­nantes «fa­ci­li­ta­dores» que vendem ao des­ba­rato o pa­tri­mónio na­ci­onal para re­me­diar as dí­vidas con­traídas com Bancos Cen­trais in­ter­na­ci­o­nais e re­duzir à mi­séria os tra­ba­lha­dores dos países mais po­bres.

Cu­ri­o­sa­mente a Eu­ropa entra na fase da co­lo­ni­zação, do lado oposto ao que es­teve no sé­culo XVI, e a União Eu­ro­peia, ao con­trário da CELAC la­tino-ame­ri­cana, as­socia-se ao FMI para ini­ciar a «dé­cada per­dida» no con­ti­nente que sus­tentou lon­ga­mente o tí­tulo de «ci­vi­li­zador» para o mundo.

Por­tugal, assim como ou­tras na­ções po­bres da Eu­ropa, ex­porta tra­ba­lha­dores e uni­ver­si­tá­rios recém-for­mados, reduz o nú­mero de nas­ci­mentos, apressa a morte dos idosos mal ali­men­tados e de­cep­ci­o­nados com as trai­ções da po­lí­tica anti-so­cial, fecha em­presas e in­ter­rompe pro­du­ções na­ci­o­nais, de­sor­ga­niza os sis­temas de Jus­tiça, Edu­cação e Saúde, es­polia os re­cursos fa­mi­li­ares através de im­postos e cortes nos an­tigos be­ne­fí­cios pre­vi­den­ciá­rios.

Mas os países mais ricos também sa­cri­ficam os seus povos: a Ale­manha teve uma re­dução de quatro por cento na pro­dução in­dus­trial, o que de­ter­mina a de­sa­ce­le­ração da eco­nomia, está pre­visto um res­ci­mento de 1.5 por cento do PIB para este ano e um cres­ci­mento pro­va­vel­mente nulo em 2015. So­frerão mais os que lá estão como imi­grantes.

Isto para não falar da pre­o­cu­pação que hoje afecta todos os países do con­ti­nente, onde foi de­fi­nida a ne­ces­si­dade do Es­tado So­cial para a so­bre­vi­vência do ca­pi­ta­lismo.

O jor­na­lista alemão Ha­rald Schuman en­tre­vistou (e di­vulgou a gra­vação na In­ternet) vá­rios go­vernos eu­ro­peus a quem fez a per­gunta: «Se a Eu­ropa salva os bancos, quem paga?» Eles res­pon­deram que «estão a salvar a eco­nomia da Eu­ropa, mas sa­bemos que os be­ne­fi­ciá­rios são os bancos es­co­lhidos pelo Banco Cen­tral».

Um es­tudo do Credit Suisse (re­fe­rido pelo jornal The Guar­dian) mostra a «ace­le­ração da de­si­gual­dade, em que o um por cento mais rico da po­pu­lação mun­dial en­ri­quece mais ra­pi­da­mente do que o res­tante da hu­ma­ni­dade – as 85 pes­soas mais ricas do mundo dis­põem de um tri­lião de li­bras es­ter­linas, que cor­res­ponde ao que sobra para os 3,5 mil mi­lhões da po­pu­lação mais pobre». Os media, para so­bre­vi­verem como ór­gãos de in­for­mação, deixam passar pe­daços de ver­dades que cor­res­pondem ao que a re­a­li­dade sempre mos­trou a quem a es­tuda.

O sa­cri­fício das po­pu­la­ções eu­ro­peias, onde os go­ver­nantes aceitam o vírus do FMI (com­ba­tido na Amé­rica La­tina), co­meça a ser também de­nun­ciado por pes­soas que es­ti­veram ca­ladas no seu con­ser­va­do­rismo du­rante os úl­timos 20 anos em que os par­tidos co­mu­nistas aler­taram para este risco criado pelo euro ma­ni­pu­lado pelo Banco Cen­tral da União Eu­ro­peia. Sempre é tempo de aplicar a va­cina para salvar as eco­no­mias na­ci­o­nais e ex­tirpar o vírus fi­nan­ceiro que está a des­truir a hu­ma­ni­dade.

 



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